As procissões e os autos de fé caraterizam Lisboa como um espaço caótico, dominado por rituais religiosos cujo efeito exorcizante esconjura um mal momentâneo que motiva a exaltação absurda dos habitantes.A desmistificação dos dogmas e a crítica do narrador ao clero subjazem ao ideal marxista que condena a religião enquanto “ópio do povo”, isto é, condena-se a visão redutora do mundo apresentada pela igreja, que condiciona os comportamentos, manipula os sentimentos e conduz os fiéis a atitudes estereotipadas. A violência destes espectáculos apraz ao povo que, absurdo e ignorante, se diverte com as imagens de morte, esquecendo a miséria em que vive. A capital simboliza, assim, o espaço infecto, alimentado pelo ódio aos judeus e aos cristãos-novos, pela corrupção eclesiástica, pelo poder repressivo e hipócrita do Santo Ofício e pelo poder autocrático do rei.
A crítica
subjacente a todo o discurso narrativo enfatiza a hipocrisia e a violência dos
representantes do espiritualismo convencional, da religiosidade vazia, baseada
em rituais que, ao invés de elevarem o espírito, originam o desregramento, a
corrupção e a degradação moral (é relevante, neste contexto, o papel da
Inquisição).

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