18.3.12

D'OS LUSÍADAS DE CAMÕES À MENSAGEM DE PESSOA



 Síntese das ideias essenciais


  • A poesia d'Os Lusíadas é épica ao socorrer-se da narrativa, em estilo elevado, para cantar uma ação heróica passada; a poesia da Mensagem é épico-lírica ao juntar a grandiosidade do assunto com a função emotiva e a subjetividade do texto lírico.
  • Camões, na epopeia, celebra a ação grandiosa e heróica dos portugueses que deram início ao grande império que se estendeu pelos diversos continentes; Fernando Pessoa, no poema épico--lírico, canta, de forma fragmentária e numa atitude introspetiva, o império territorial, mas retrata o Portugal que «falta cumprir-se», que se encontra em declínio a necessitar de uma nova força anímica.
  •  Pessoa, por vezes, serve-se do tom épico como em «O Monstrengo» (onde glosa o «Adamastor»de Camões); outras vezes, recorda, comovido, a tragicidade de muitos momentos das viagens marítimas, valorizando o esforço e o sofrimento como sucede em «Mar Português»; mas é o «intenso sofrimento patriótico» que o leva a antever um império que se encontra para além do material.
  • Os Lusíadas e Mensagem cantam, de maneiras diversas, a grandeza de Portugal e o sentimento português.
  • Enquanto Camões nos dá conta do heroísmo que permitiu a construção do Império Português, Fernando Pessoa procura libertar a pátria de um passado que se desmoronou e encontrar um novo heroísmo que exige grandeza de alma e capacidade de sonhar.
  •  N'Os Lusíadas, Portugal surge como cabeça da Europa; na Mensagem, Portugal é o rosto contemplativo da Europa e encerra, no seu fitar, o destino da civilização ocidental e da Humanidade.
  • Camões inicia Os Lusíadas com «As armas e os barões assinalados», mostrando que os nautas foram escolhidos para alargar «a Fé e o Império»; na epígrafe geral de Mensagem, «Bene-dictus Dominus noster qui dedit nobis signum» (Bendito o nosso Senhor que nos deu o sinal), Fernando Pessoa afirma que o Senhor distinguiu e marcou os Portugueses para a realização de uma obra sobre-humana.
  • N'Os Lusíadas, Camões conseguiu fazer a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão; em Mensagem, Pessoa procura a harmonia entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico(do ocultismo).
  •  Camões, com Os Lusíadas, relata a viagem à Índia e, entrecortando-a com episódios do passado e profecias do futuro, mostra a história do povo que teve a ousadia da aventura marítima. Pessoa, em Mensagem, depois de relembrar um passado de heroísmo, numa perspectiva messiânica, ousa profetizar um futuro que cumpra Portugal.
  • Os poemas de Mensagem encontram-se agrupados em três partes, ou seja, as etapas da evolução do Império Português — nascimento, realização e morte. No «Brasão», estão os construtores da Pátria Portuguesa; em «Mar Português» surge o sonho marítimo e a obra das descobertas, que permitiram a consolidação do Império; em «O Encoberto» há a imagem do império moribundo, com a fé de que a morte conduza ao nascimento de um império espiritual, moral e civilizacional. Na primeira parte de Mensagem, intitulada «Brasão», ao recontar a construção de Portugal, Fernando Pessoa aproxima-se do plano da História usado por Camões n'Os Lusíadas; na segunda parte, «Mar Português», há uma relação com o plano da viagem, recuperando o tempo da acção épica; na terceira parte, intitulada «O Encoberto», Pessoa antevê um império que se encontra para além do material, inspirando-se na figura e no mito de D. Sebastião, já elogiado e considerado a grande esperança lusitana por Camões. Se nas duas primeiras partes há uma aproximação entre Mensagem e Os Lusíadas, o mesmo não sucede na terceira parte. Pessoa, em «O Encoberto», sente-se investido no cargo de anunciador de um novo ciclo que se anuncia, o Quinto Império, que não precisa de ser material, mas civilizacional.
  •  Em Mensagem surgem diversos mitos, nomeadamente o do Sebastianismo e o do Quinto Império. É possível também perceber outros mitos como o do Santo Graal («Galaaz com pátria» era o Desejado, capaz de permitir o retorno do Graal, o símbolo da união e harmonia entre os povos), o das Ilhas Afortunadas (de «terras sem ter lugar», como o Quinto Império), e o do Encoberto (dentro da mística rosacruciana 1 , em cujos princípios se deveria basear o Quinto Império). A conceção mítica leva, também, Pessoa a usar figuras como Ulisses e o Mostrengo, que o ajudam a explicar o passado dos Portugueses e a fazer a apologia da sua missão profética.
  • N'Os Lusíadas, a linguagem segue o padrão culto da língua portuguesa, usado no século XVI, mas revela-se riquíssima, variada e maleável. Além disso, a grandiosidade do assunto e as características da epopeia exigiram um estilo nobre e grandiloquente, que, no entanto, harmoniza na perfeição a narrativa e a objetividade épica com os episódios verdadeiramente líricos, marcados pela subjectividade e pela elegia.
  • Em Mensagem, a voz narrativa da épica tradicional dá constantemente lugar à voz lírica, num discurso analítico-crítico, que reflete sobre o passado heróico de conquistas, vibrando com o espírito do povo português, e expressa a visão e as emoções do eu face ao acontecer histórico, muitas vezes num tom profético. Os poemas, em geral breves, apresentam uma linguagem metafórica e musical, bastante sugestiva,com frases curtas, apelativas e frequentemente aforísticas, nas quais abunda a pontuação expressiva e as perguntas retóricas.

1) Entre as várias interpretações da simbologia Rosa-Cruz, é possível no poema «O Encoberto» ver na rosa o círculo, que exprime os ideais de perfeição, e a cruz, que representa todos os tormentos até os conseguir alcançar. (A fraternidade Rosa-Cruz, que Fernando Pessoa defende e cujo símbolo é comum a alguns rituais da maçonaria, aparece como sociedade secreta que sonhava o advento de um mundo pacífico e feliz.)

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